Meia-Noite em Paris, a pílula do passado

21:16 Raquel 1 Comments



Seria pobre e esdrúxulo comparar Meia-Noite em Paris com A Origem. Seria mais esdrúxulo e mais pobre ainda dizer que Meia-Noite em Paris é quase um A Origem Artística.  Mas o que seria de mim, senão um ser pobre e esdrúxulo e completamente invejoso de Woody Allen a esse ponto.

Eu digo que a “Golden Age” foram os 50’s e 60’s.  Eu sempre digo que nasci na era errada. Que faço parte de uma sociedade de valores distorcidos e que não me encaixo no quadro geral. Mas será? Allen me fez perceber que talvez eu seja nostalgicamente chata e previsível. E que apreciar meus tempos em que posso desfrutar de “ informação a rodo”  e facilidades aos milhares também pode ser agradável e, digamos, mais saudável.

Saudar e apreciar os feitos do passado, são parte da trajetória. Afinal, tudo o que temos e somos é uma soma de “eu deveria ter nascido 40 anos atrás e por isso vou atrás de algo novo tentando reviver o velho”. Por isso digo que Meia-Noite em Paris é um A Origem artística. Porque o personagem se embrenha dentro dos próprios sonhos e desejos e depois dentro dos sonhos e desejos de quem ele deseja. É quando a epifânia vem, é quando ele percebe que não há fim e que todos, em qualquer momento estão presos ao passado de certa forma. Seja um passado recente, de não ter ficado em Paris da primeira vez em que ali esteve ou de um passado que ele não tinha vivido até então, do qual desconhecia a verdade.

Já disse que invejo Woody Allen profundamente? Ele faz uma autocrítica e se realiza ao mesmo tempo. Ele também é saudosista e isso transborda em cada cena que presenciamos durante o filme. Ali, na pele de Owen Wilson, de Gil Pender, está Woody. O mesmo andar, a mesma acidez, as mesmas pausas dramáticas entre as falas, os mesmos medos e os mesmos anseios.

BAM! De repente são 20. De repente Dali está entusiasmado com rinocerontes e Picasso preocupado com sua amante que partiu. E Hemingway? Quando abre a boca, é como se estivéssemos lendo seus livros! Mergulhamos em livros que são reescritos conforme Gil se “intromete” na vida dos boêmios. Mergulhamos em pura e simples história, mas que, diferente de assistir a uma biografia de Gertrudes Stein, nem ela, nem nenhum dos grandes artistas são os protagonistas. São só parte da paisagem que se molda para receber o homem vindo do futuro, que por sua vez é tão nostálgico que se adapta instantaneamente ao cenário.

Gil entrega um Valium para Zelda Fitzgerald e ela se questiona: “o que é isso? Eu nunca ouvi falar em Valium!” e ele rebate: “é a pílula do futuro.”. Porque nos anos 20, a melancolia se resolvia com álcool ou suicídio. No futuro, demos solução aos angustiados. Um choque cultural e de épocas, mas que, ao mesmo tempo, se encaixam perfeitamente.

Toda a história presente do protagonista não passa de plano de fundo, de passado para o que está acontecendo com ele. A concepção de voltar ao passado é absurda, mas nos entretemos junto ao Gil na esperança de entender um pouco mais. Chego a torcer veementemente para que ele fique com Adriana que se perde na Belle Époque e, ao contrario de Pender, não resiste ao charme que o passado pode trazer. É absurda e majestosa essa discreta máquina do tempo representada por um antigo táxi. E há veracidade mostrada quando o detetive contratado para seguir Gil também fica preso no passado.

Desculpem-me os realistas, mas nostalgia é essencial. O romance e magia de Paris nos deixa a ver navios quando estamos oceanos de distancia. Culturas de distancia da Terra Prometida pela legião artística que habita as ruas e cafés da Cidade Luz.

E aos imediatistas, seguidores de Steve Jobs da Geração Y, eu diria: Cuidado, Nata Intelectualóide Geek Fashionista de Seriados Americanos e Quadrinhos da Melhor Banda da Última Semana, como já diria o grande compositor Criolo, em seu perfeito Criolês: “e quem se julga nata, cuidado pá num quaiá”. Que foi? Não entendeu? Pergunte a voz da experiência. Novo, velho, bom, ruim, vanguardista, copista, Flintstones ou Jetsons, por que não? Afinal somos novos, inéditos, mas até quando? Somos o agora, mas só há o agora porque já houve o antes, que só agora é antes porque antes era agora.

Eu adoro a Apple e o Frank Sinatra, posso? Mas claro. O que seria da Apple se não fosse Adão ou se a bendita fruta não caísse na cabeça de Newton? E o que seria de Jamie Cullum sem Sinatra?

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